sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Será que a tecnologia pode ser parceira da natureza?


Será que a tecnologia pode ser parceira da natureza?

É muito fácil pensar na natureza e na tecnologia como duas entidades imersas em uma luta de boxe que já dura séculos e que está para terminar em nocaute a qualquer instante.

Selfies atrapalham a vista de um belo pôr do sol. Centenas de milhares de toneladas de "e-lixo" tóxico são despejadas em rios e pântanos a cada ano. Nomes de plantas e animais perdem protagonismo nos dicionários para dar lugar a termos como "banda larga" e… "selfie".
Reclamamos da invasão do wi-fi nos lugares mais remotos, mas declaramos o acesso à internet como um direito humano. Repudiamos a caça ilegal, mas acabamos ajudando bandidos a encontrar animais raros através de nossas postagens nas mídias sociais. Sonhamos em relaxar uma tranquila praia das Maldivas, mas exigimos voos baratos e nada ecológicos para chegar até lá.

Não há dúvidas dos motivos por trás desses conflitos. Como o filósofo científico Christopher Potter afirma, em seu livro How To Make a Human Being (Como fazer um ser humano, em tradução literal): "O ser humano nunca fez parte da natureza. Sempre fizemos parte da tecnologia".

Desejo natural por inovação
Vontade de inovar é algo 'natural' do ser humano, dizem especialistas
A partir do momento em que o homem moderno conseguiu controlar o fogo, ele nos colocou no caminho de dominar o mundo. E nunca mais olhamos para trás.
A tecnologia é simplesmente um conjunto de estratégias que nossa espécie desenvolveu para poder lidar com o fato de ser uma criatura consciente de si mesma em um planeta caótico e frequentemente hostil.
Isso torna nossa vontade de inovar algo tão "natural" quanto a estrutura de nossos cérebros.
Cada vez mais sacrificamos nosso habitat natural em prol da satisfação instantânea da mudança e da solução rápida para problemas econômicos e políticos.

Natureza inspiradora

Observando como certas plantas grudam no pelo dos cães, suíço inventou o velcro
Mas apesar de muitas de nossas invenções digitais servirem para nos distanciar do mundo que elas deveriam melhorar, a tecnologia e a natureza também estão continuamente se alimentando mutuamente, de maneiras altamente positivas.
Pensemos, por exemplo, no campo da biomimética, em que elementos e processos naturais são usados como modelo para o desenvolvimento de novos materiais, equipamentos e ferramentas.
Um famoso exemplo é a invenção do velcro pelo engenheiro suíço Georges de Mestral, em 1941, depois que ele observou como algumas plantas das montanhas se agarravam a suas roupas e aos pelos de seu cão.


Entre os avanços mais recentes nessa área estão: a criação de um fita adesiva cirúrgica pós-parto que se molda na estrutura das teias de aranha; a imitação do vírus para criar nanopartículas que se rearranjam sozinhas e levam medicamentos diretamente a células cancerígenas; ou ainda uma supereficiente tela para livros eletrônicos, refletiva e colorida baseada na maneira como as asas de borboleta cintilam sob a luz forte.

Tecnologia para preservação

Aparelhos permitem rastreamento de populações de animais em vias de extinção

Além disso, a tecnologia é cada vez mais utilizada para ajudar projetos de preservação e sustentabilidade. Um deles é o Technology for Nature, idealizado pela Universidade de Londres, a Sociedade Zoológica de Londres e a Microsoft.
Entre as iniciativas do projeto estão um serviço de "nuvem" digital gratuito e rápido que permite que especialistas acessem dados precisos de mudanças climáticas de qualquer região do mundo, ou ainda o desenvolvimento de novos aparelhos para registrar o comportamento de animais em seus habitats.
Lucas Joppa, um dos gerentes do projeto, admite que ainda há desafios em se unir cientistas de disciplinas tradicionalmente vistas como opostas. "A linguagem, a terminologia e as motivações são diferentes. Praticamente tudo", brinca.
"Mas temos questões de preservação ambiental que precisam ser combatidas imediatamente, como o monitoramento de áreas protegidas, o rastreamento de espécies de alto valor comercial e a detecção online do comércio ilegal de plantas e animais", explica.
Para Joppa, a tecnologia teve mais impacto positivo do que negativo sobre a natureza nos últimos dez anos.
Obviamente, a natureza não é só pandas e florestas, e a tecnologia está também ajudando a domar seu lado mais cruel. Tuítes e fotos do Instagram com hashtags e geotags se tornaram uma maneira valiosa de compartilhar atualizações em tempo real sobre desastres naturais.
O Person Finder, do Google, criado para reunir parentes durante o tsunami de 2011 no Japão, está atualmente ativo no Nepal. E nos Estados Unidos o aplicativo da Agência Federal de Gerenciamento de Emergências permite que comunidades atingidas por catástrofes consigam fazer um financiamento coletivo para obter mantimentos.
Fora tudo isso, ainda temos o conceito das "cidades verdes". Imagine arranha-céus transformados em lavouras verticais, com plantações forrando o teto e as paredes; metros quadrados vazios sendo usados para cultivar biocombustíveis à base de algas; e árvores capazes de iluminar ruas à noite como resultado de genes bioluminescentes.

Apreço pessoal pelo planeta

Interesse das novas gerações por plataformas digitais precisa ser aproveitado para ajudar o planeta
Claramente, as notícias não são ruins em matéria de unir tecnologia e natureza em grande escala. Mas como esse cabo de guerra está nos atingindo pessoalmente?
Considerando a natureza viciante das plataformas digitais, é difícil às vezes contestar a crença de Potter de que "a tecnologia evolui para uma vida entre quatro paredes". E quando nós finalmente nos aventuramos lá fora, celulares e outros aparelhinhos conseguem nos manter presos em nosso próprio mundo, mesmo diante da mais bela paisagem.
Mas, na realidade, está surgindo todo um ecossistema de softwares que têm por objetivo intensificar nosso apreço pelo planeta em que vivemos: de aplicativos que usam tecnologia de reconhecimento facial para identificar espécies de árvores a outros que nos ensinam a nos reconectarmos com o meio ambiente.
A tecnologia também nos ajuda a contribuir com a preservação ambiental. Serviços de compartilhamento de carros ou aparelhos que monitoram o gasto energético de uma casa são apenas o começo.
O tecnologista Kevin Kelly acredita que a tecnologia é "uma força da natureza", que evolui seguindo os mesmos princípios de qualquer espécie viva.
Talvez ele esteja certo. Ou talvez a natureza, assim como a humanidade, seja uma espécie de tecnologia misteriosa.
De qualquer forma, precisamos parar de ver as duas coisas como rivais e nos concentrarmos em fazer com que eles se tornem parceiros.

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