BRINCANDO (E LUCRANDO) COM A CATÁSTROFE CLIMÁTICA
Novo
livro revela mudança essencial: capitalistas já não negam aquecimento global.
Preparam-se para ganhar (muito) com ele
Por Bary Olson, no Common Dreams | Tradução: Antonio Martins
Uma manchete recente da
Agência Bloomberg alerta: “Lucre com o Aquecimento Global ou fique para trás”
Em seu novo livro, Windfall [“Sorte
Grande”, ou “Vento a Favor”, em tradução livre] (Nova York, Penguim, 2014), o
jornalista veterano Mckenzie Funk relata como viajou pelo mundo por seis anos,
para traçar o perfil das “centenas de pessoas que perceberam que a mudança
climática iria enriquecê-las”.
Numa pesquisa à parte,
Funk realça que “em Wall Street, já não há mais um grande número de pessoas que
neguem a mudança climática”. Quase sempre indiferentes às causas do fenômeno, seus
entrevistados tomaram a decisão de não investir em tecnologias limpas, por
verem em tal gesto perda de dinheiro. Em vez disso, “quanto mais aquecido o
mundo, quanto menos habitável ele se tornar, mais forte o vento a favor”…
Em 2008, a Shell
desenvolveu dois cenários sofisticados de riscos relacionados ao clima.
Denominou-os Blueprints [“Perspectivas”] eScramble [“Escalada Acidentada”]. O
primeiro projetava um futuro mais limpo, ao passo que o segundo previa – devido
a paralisia dos governos – um futuro de secas, inundações, ondas de calor e
supertempestades. Por
volta de 2012, os executivos da empresa confidenciaram a Funk: “Entramos no
cenário scramble. É este o tipo de mundo em que
viveremos. É ele que nos orienta”. Outro executivo da Shell afirmou: “Serei um
dos que brindará a chegada de um verão sem fim no Alaska”…
A mensagem do autor é
que, no curto prazo, haverá vencedores e perdedores definitivos,
porque a
catástrofe ecológica “não é, necessariamente, uma catástrofe financeira pra
todos”. E enquanto os leitores deste site poderão evitar, por algum tempo, as
piores consequências do aquecimento global, um bilhão de outros seres humanos
não serão poupados.
Neste período de
transição, a frase “uma maré em alta levanta todos os barcos” será mais que uma
metáfora:
> Muitas pessoas veem
a água como uma necessidade e um direito humano básico. Mas os consultores de
investimentos e seus bem-aventurados clientes enxergam o recurso como “ouro
azul”, ou “o petróleo do novo século”, cujo valor como ativo irá superar todas
as outras commodities físicas. O dinheiro está correndo
para o “hidrocomércio”, inclusive para os fundos financeiros que negociam
“direitos sobre a água” e “ativos de água”.
> A Arcadis, uma
empresa holandesa de engenharia que oferece proteção contra enchentes afirma
que seu faturamento cresceu 26% em 2013. Por 8 bilhões de dólares, eles
prometem murar Manhattam de um furacão como o Sandy.
> Os bombeiros
privados da seguradora AIG estão a postos para proteger as propriedades dos
ricos, nos subúrbios de Los Angeles com novíssimas tecnologias. Enquanto isso,
os cidadãos menos abonados verão suas casas reduzidas a cinzas.
> Barney Schaulbe,
executivo da Nephia, um enorme fundo de hedge,está
convencido de que “um clima mais volátil provoca mais riscos e mais apetites
para proteção contra os ricos”. Daí vem, ele explica, a introdução de algo
chamado “derivativos do clima”.
> Um investidor com
base em Londres etá colocando dinheiro em propriedades rurais na Rússia e em
redes globais de supermercado porque as ecas, incêndios, desertificação e
enchentes relacionadas à mudança climática irão afetar negativamente as
colheitas. E, como diz outro analista, “as pessoas sempre estarão dispostas a
pagar para comer”.
> Um gerente de
fundos, interessado em empresas de seguros, disse a Funk, confiante, que as
enchentes causadas pela mudança climática tornarão este tipo de proteção mais
caro. Por isso, “a estação de furacões é, de fato, algo muito positivo”.
> Embora o fato não
seja mencionado no livro, o senador norte-americano James Inhofe, do Partido
Republicano, quer direcionar ainda mais dinheiro para Wall Street, por meio de
“contas de socorro a desastres”. Por meio delas, famílias ricas poderão receber
até 5 mil dólares de redução de impostos, para investir na mitigação eventos
climáticos extremos. Ampliando os limites de sua audácia política, Inhofe
escreveu há pouco O grande
boato, um livro segundo o qual o aquecimento global é uma conspiração
gigante, criada para estimular as regulações estatais.
> Um mundo mais
aquecido significa a expansão de doenças como a dengue, para além das zonas
tropicais. A solução? A empresa britânica Oxitec prevê que um remédio
patenteado, para conter a doença transmitida pelo mosquito, é uma máquina
segura de fazer dinheiro.
> A elevação do nível
dos mares faz de Bangladesh uma espécie de “marco zero” para a mudança
climática. A resposta da Índica é uma barrira elétrica de 3300 quilômetros, a
“cerca da vergonha”, erguida para impedir que cerca de 25 milhões de refugiados
climáticos de Bangladesh cruzem a fronteira, quando um quinto de seu país ficar
sob as águas.
> Prevejo que Centros
de Finanças Ambientais, de nível acadêmico, revejam o enforque atual, ligado à
proteção ambiental, para posicionar vantajosamente estudantes dispostos a
enxergar as vantagens da crescente crise ecológica.
Curiosamente, Funk
procura não julgar as pessoas que entrevista. Prefere vê-las como gente de bem,
“em sintonia com seu próprio sistema de crenças”, que agem para preservar seu
auto-interesse. Ele concede: “Não podemos esperar que o capitalismo reveja nada
disso”. Mas afirma que “não há nada de fundamentalmente errado em tirar
proveito do desastre e lamenta que os leitores possam, de modo injusto,
transformar os homens de negócio em vilões.
Num sentido estrito, ele
está correto. A responsabilidade essencial é do sistema e de sua lógica interna
fatalmente fracassada. Qualquer executivo-chefe que introduzisse em suas
decisões considerações sobre justiça climática seria rapidamente substituído
por alguém mais em sintonia com a pressão para produzir sempre por menos.
Num artigo anterior,
caracterizei muitos dos que estão verdadeiramente preocupados como o futuro do
planeta como “negacionistas do capitalismo”. Eles ainda não estão dispostos a
perceber que a responsabilidade pela degradação ambiental repousa em nosso
sistema de crescimento e lucro a qualquer custo. Os defensores do sistema
existem dentro e fora dos Estados e nunca serão a solução.
Todos os outros podemos
chegar às conclusões óbvias e agir de acordo com elas, dentro da limitada e
frágil janela de tempo que ainda existe.
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