A CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA
A responsabilidade sobre as
condições de vida na Terra cabe a todos nós, mas sobretudo aos países ricos,
seus governos e grandes corporações
Grandes
alterações na estrutura e função dos sistemas naturais da Terra representam uma ameaça
crescente para a saúde humana e para a vida em geral em nosso
planeta. Através de uma insustentável exploração de recursos naturais e humanos
a civilização floresceu, mas agora corre o risco substancial, pelos efeitos da
degradação, de não garantir o apoio da natureza à vida, no médio e longo prazo.
Os
efeitos nocivos para a saúde humana por conta das mudanças no ambiente são
muitos e graves: as mudanças climáticas; a acidificação dos oceanos; a
degradação dos solos; a escassez de água; a sobre-exploração da pesca e a perda
de biodiversidade; o acúmulo de lixo tóxico inclusive resíduos nucleares; a
redução das florestas e a poluição dos rios; as secas mais longas em várias
partes do mundo. Tudo isso representa um sério desafio para a humanidade.
Segundo
especialistas, estas tendências, que são de grande impacto, têm ocorrido,
sobretudo, pelo paradigma estabelecido no capitalismo dominante, com a
cristalização de um padrão de consumo, e de utilização de recursos naturais,
altamente predatórios, com o agravante de uma população em crescimento, que
deve atingir os 8,3 bilhões de habitantes em 2030 (O Brasil terá 223 milhões de
habitantes no mesmo período).
A
Comissão Lancet sobre a saúde do planeta identificou três categorias de
desafios que têm de ser enfrentadas se se quiser manter e mesmo melhorar a
saúde humana, em face das tendências ambientais cada vez mais danosas. São
elas:
1) a
tendência em se confiar excessivamente no crescimento do Produto Interno Bruto
como medida de progresso humano e o fracasso em explicar os futuros danos, sob
o aparente manto de ganhos nos dias de hoje, além do efeito desproporcional
destes danos sobre as populações pobres e as nações em desenvolvimento, que não
têm capacidade de se preparar para futuras catástrofes;
2) Falhas
de conhecimento (de pesquisa e de informações fidedignas), uma histórica
ausência de transdiciplinaridade no entendimento do problema, juntamente com
uma falta de vontade ou incapacidade de lidar com a incerteza por parte dos
governos na hora da tomada de decisões.
3) Falhas
de implementação (desafios da governança), tais como o modus operandi de
governos e instituições que retardam o reconhecimento e as respostas às
ameaças, especialmente quando confrontado com incertezas, falta ou mesmo
preterimento de recursos, considerando a questão ambiental não prioritária,
além das defasagens entre o agir e seus efeitos.
As
políticas deveriam buscar um equilíbrio entre progresso social (bem-estar),
sustentabilidade ambiental e economia. Aí se encontra o grande dilema, uma vez
que, sejam os governos, sejam as grandes corporações, estabelecem como
prioridade a situação da economia, com um viés estreito, onde mais vale o
funcionamento dos grandes conglomerados, bancos e multinacionais, e não o
bem-estar geral.
Para
abrigar uma população mundial que ultrapassa os 8 bilhões de pessoas será
necessário alterar o sistema agrícola, privilegiando a pequena e média
agricultura e não o agribusiness. A estrutura agrária mundial precisa de
alterações rápidas e constantes, no sentido de redução dos latifúndios. Só
assim os sistemas agrícolas podem enfrentar a desnutrição e mesmo a
supernutrição, hoje ocorrendo não apenas nos países ricos, em função de uma
alimentação processada em excesso. A agricultura é também um setor capaz de
criar empregos e compensar o desemprego tecnológico.
Reduzir o
desperdício, diversificar dietas, sobretudo diminuindo o consumo de carne
bovina e minimizar os danos ambientais. Mas há que se cuidar também da
educação, que dá maior condição aos mais pobres de entenderem o que está em
jogo, e de lutarem por seus direitos. Os ganhos em alimentação saudável e
orgânica se refletirão em ganhos em saúde, mas não dispensando os investimentos
em médicos e hospitais, sobretudo numa visão preventiva.
Os dados apresentados pela Comissão Lancet são
otimistas no tocante aos avanços na saúde humana. Eles afirmam que, hoje, estes
dados são melhores do que em qualquer outro tempo da história. A expectativa de
vida elevou-se dos 47 anos em 1950–1955, para 69 anos entre 2005–2010. A taxa
de mortalidade em crianças menores que cinco anos decresceu substancialmente em
escala mundial, de 214 por mil nascimentos em 1950–1955 para 59 em 2005–2010.
A
camada do Ártico: cada vez menor (Foto: NASA’s Goddard Space Flight Center) |
A extrema
pobreza vem decrescendo nos últimos 30 anos, em que pese o crescimento no
total da população nos países pobres de cerca de 2 bilhões. O relatório
diz ainda que “esta redução da pobreza tem sido acompanhada por avanços sem
precedentes na saúde pública, cuidados de saúde, educação, legislação de
direitos humanos, e desenvolvimento tecnológico, que trouxe grandes benefícios,
ainda que de forma desigual, à humanidade”.
Mas o
relatório não contempla os aumentos das desigualdades, em escala planetária,
tanto nos países do centro quanto naqueles da periferia. São muitos os estudos
recentes que vêm chamando a atenção do problema, sobretudo desde os anos 1980,
quando instalou-se mundialmente as prerrogativas do neoliberalismo e do
Consenso de Washington.
O próprio
PNUD já anunciava em estudo que por mais de 200 anos as
desigualdades econômicas globais têm aumentado. No início da revolução
industrial, as diferenças de renda per capita entre a Europa
Ocidental e a periferia não ultrapassava 30% (Bairoch, 1981). Em 1820, a renda per
capita dos países mais ricos era 3 vezes maior do que os mais pobres.
Em 1870, foi 7 vezes; em 1913 era 11 vezes maior e em 1960, 30 vezes mais. Em
1997, um quinto da população mundial que vive nos países mais ricos era 74
vezes mais rica que o um quinto da população nos países mais pobres.
Segundo o Global
Wealth Report 2014, realizado pelo banco Credit Suisse, a parcela de 1% da população adulta mais privilegiada detém
praticamente metade da riqueza global. Portanto, a desigualdade no
mundo está aumentando e isso representa um estímulo à recessão, muito embora a
riqueza global das famílias no mundo tenha aumentado 8,3% em um ano, atingindo
um novo recorde: US$ 263 trilhões em 2013, mais do que o dobro da riqueza
registrada no ano de 2000, que era de US$ 117 trilhões. Os números são
chocantes, quando sabemos que 8,7% das pessoas adultas concentram 82,1% da
Riqueza Mundial, ao passo que 91,3% das pessoas adultas concentram 17,9%
da riqueza mundial.
Em Paris,
dezembro de 2015, ocorrerá a XXI Conferência Internacional sobre a Mudança
Climática (COP 21). Muito se tem especulado sobre os
possíveis resultados, que vão do maior pessimismo a um otimismo que não tem
muita justificativa. José Ramos Horta, prêmio Nobel da paz em 1996 e
ex-presidente do Timor Leste, chama a atenção para a gravidade do problema, quando um novo informe baseado
nos estudos de 413 cientistas de 58 países, a Administração Nacional Oceânica e
Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos concluiu que 2014 foi o ano mais quente
da história.
O
contundente informe evidencia as tendências e as mudanças do sistema climático
mundial, a exemplo dos vários tipos de gases de efeito estufa, das
temperaturas na atmosfera, nos oceanos e na terra, no nível do mar, a redução
na extensão do gelo marinho entre outros fenômenos graves. Muitos
cientistas já consideram a mudança climática irreversível.
São
muitos os problemas e questões a serem enfrentadas na COP21, como a reafirmação
do multilateralismo, enquanto espaço coletivo de tomada de decisões; sobre qual
será o novo instrumento jurídico vinculante, que sob a Convenção deverá ser
aplicável a todos os signatários. Qual será o conteúdo do novo acordo do Clima
a entrar em vigor em 2020? O que cada país será responsável a implementar até
2020?
O
documento elaborado em Lima, na COP 20, muito criticado, reafirmou
o princípio das responsabilidades comuns, mas
diferenciadas. O texto base, que ainda deverá ser assinado, inclui
temas operacionais decisivos como mitigação, adaptação, financiamento,
transferência de tecnologia, capacitação e transparência para ações e para o
apoio.
Outra
questão preocupante é a compensação das emissões, que implica que o mundo
(leia-se, os países ricos) possa continuar emitindo gases de efeito estufa
desde que exista uma forma de os "compensar". O que torna iníquas as
medidas concretas de redução das emissões. O Fundo Verde do Clima, que foi
aprovado desde 2010, com um fundo que seria de US$ 100 bilhões anuais de2013 a
2020, ficou sem efeito e só em 2014 passou a receber recursos muito aquém do
estabelecido, num valor de US$ 10 bilhões, aportados por 29 países,
desenvolvidos e em desenvolvimento.
Ainda
questões como o uso da terra, a agricultura climaticamente inteligente, a
Cúpula dos Povos e as mobilizações da sociedade civil global para o
enfrentamento do problema, estarão em pauta.
Em tempos
de crise estrutural como a que vivemos, a responsabilidade sobre as condições
de vida na Terra cabe a todos nós, mas sobretudo aos países ricos e seus
governos, suas grandes corporações, que não apenas são os maiores predadores
dos ecossistemas globais, mas que têm de fato as condições objetivas para
enfrentar a tragédia. Karl Polanyi nos ensinou que “permitir que o mecanismo de
mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente
natural (...) resultaria no desmoronamento da sociedade”.
O estado
do planeta em que vivemos está ameaçado. Já é tempo de medidas que não sejam
apenas paliativas, já é tempo de virar a página de um paradigma obsoleto.
Marcos
Costa Lima é professor do Departamento de Ciência Política da UFPE,
pós-doutorado na Université Paris XIII e integrante do Grupo de
Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI. Atualmente coordena o
Instituto de Instituto de estudos da Ásia/UFPE
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