DEMOCRACIA LIMITADA
Capitalismo e Política
(primeira parte):
A CORRUPÇÃO
Nas democracias
burguesas a instituição da representação adquiriu um fim em si mesma. Ao invés
de se escolher representantes para servirem como meio para o exercício do poder
de toda a sociedade, a democracia se diluiu na escolha de representantes , não são
os cidadãos que exercem a soberania, mas uma aristocracia com o nome de
democracia. Nesse modelo de sistema político, os setores sociais que conseguem
controlar os representantes eleitos são os que realmente detêm a soberania. Uma
vez que esse controle é exercido geralmente por quem tem mais dinheiro.
Ao contrário do
discurso liberal e das grandes corporações de mídia, a corrupção não é um
desvio na política que possa ser corrigido pelo lado moral, mas forma essencial
e necessária de funcionamento do Estado no capitalismo.
Quando,
nos séculos XVII e XVIII, a burguesia europeia ansiava por ocupar seu espaço no
poder monopolizado pela nobreza e o clero, os ideais democráticos e
republicanos foram bandeiras empunhadas por seus representantes e estiveram,
portanto, vinculados ao sistema capitalista em sua fase de afirmação como
sistema hegemônico.
Porém,
após as revoluções e guerras que a levaram à conquista do poder em diversos
países e ao domínio do continente europeu e de suas colônias, a burguesia teve
outra preocupação que substituiu o esforço de criação de Estados que
concretizassem aqueles ideais. A grande questão passou a ser como gerir esses
Estados sem que as ideias de poder popular, participação política, igualdade de
direitos, vontade geral, coisa pública, etc. fossem estendidas aos
trabalhadores.
Se
a defesa da democracia fosse realmente levada às últimas consequências, os
trabalhadores teriam tanto poder quanto os burgueses e, por constituírem a
maioria na sociedade, acabariam por ditar os rumos da política – o que
comprometeria a ordem capitalista.
Na
democracia da Grécia antiga, para evitar problema semelhante, bastou aos gregos
excluir os escravos do direito de cidadania sem lhes dar qualquer satisfação. A
ordem escravagista foi mantida quando a democracia se restringiu à participação
dos homens livres nas decisões.
Porém,
o mesmo não poderia acontecer com relação aos trabalhadores na Europa moderna,
pois eles também haviam participado das revoluções, lutaram com os burgueses
contra a nobreza e o clero, tinham suas organizações e propostas a serem
defendidas. Sua exclusão do processo democrático não seria tão simples e
aproblemática como a dos escravos nas cidades gregas antigas e tampouco poderia
ser defendida teoricamente de maneira tão explícita quanto o fizeram, por
exemplo, Platão e Aristóteles. Era preciso mais sutileza para se manter o
discurso da democracia e, ao mesmo tempo, afastar os riscos que ela poderia
oferecer à ordem econômica.
Uma
das maneiras de se lograr esse intento foi a redução da democracia à ideia de
representação. Primeiro criou-se um Estado que seria, teoricamente,
representante da totalidade da sociedade, um terceiro em relação às divisões
econômicas de classes. Assim, o exercício do poder não estaria diretamente nas
mãos de empresários, banqueiros, rentistas e proprietários de terras, mas de
representantes escolhidos pela população em geral para a gestão de um Estado
neutro, supostamente acima das disputas sociais.
Todos
os princípios da democracia foram reduzidos à democracia representativa,
limitando o poder político dos cidadãos ao direito de escolher representantes
por meio do sufrágio. A ideia da representação, ou seja, a delegação temporária
de poderes decisórios a terceiros, só faz sentido em sistemas democráticos se for
concebida como um “elemento estranho”, um “mal necessário” para fazer uma ponte
entre o ideal (a democracia direta pura) e o real (as dificuldades do processo
decisório nas complexas sociedades modernas), criando, assim, o possível (o
exercício da soberania popular por meio de representantes submetidos à vontade
dos que os escolheram).
No
entanto, nas democracias burguesas a instituição da representação adquiriu um
fim em si mesma. Ao invés de se escolher representantes para servirem como meio
para o exercício do poder de toda a sociedade, a democracia se diluiu na
escolha de representantes e a eles foi dada a função de exercer o poder em sua
totalidade. Ao final, não são os cidadãos que exercem a soberania, mas os
eleitos (supostamente os mais capazes, os melhores = aristós), criando uma
aristocracia com o nome de democracia.
Nesse
modelo de sistema político, os setores sociais que conseguem controlar os
representantes eleitos são os que realmente detêm a soberania. Uma vez que esse
controle é exercido geralmente por quem tem mais dinheiro (para investir em
campanhas, pautar a mídia, bancar propinas e mesadas para os eleitos, fazer
lobby, etc.) a aristocracia se degenera em uma plutocracia (plutos = rico). Não
raro, o controle sobre eleitos se exerce pelos que enriquecem e mantém seu
status por meios ilícitos e criminosos, que vão desde as fraudes e
favorecimentos em concorrências e licitações até o tráfico de drogas e armas,
passando por grilagens de terras, exploração de trabalho escravo, etc., caso em
que se estabelece uma cleptocracia (kleptós = ladrão).
Nas
sociedades atuais, é praticamente impossível diferenciar esses dois termos,
visto que no mundo das corporações os capitais oriundos da criminalidade, do
narcotráfico, do contrabando de armas, da especulação financeira, da produção e
dos serviços se mesclam e interagem, criando uma classe onde os criminosos de
colarinho branco convivem com empresários, banqueiros, especuladores,
latifundiários e rentistas – quando não são as mesmas pessoas a exercer esses
diferentes papéis.
O
problema é que controlar um poder concedido a terceiros com relativa autonomia
traz mais exigências do que exercer diretamente o poder. Para se eleger as
pessoas certas que ocuparão o Estado é preciso investir dinheiro em campanhas e
na formação da consciência social, de maneira que o sufrágio não conduza ao
poder os representantes dos trabalhadores. Isso exige doações legais e ilegais
para partidos e candidatos, o que cria um sistema desigual e corrupto. Desigual
por conceder a uns maiores condições de campanha e vitória, em função do
dinheiro disponível, o que quebra o princípio da isonomia. Corrupto em função
da ilegalidade e origem das doações de maior porte que resultam em maior poder
de influência.
Além
disso, é necessário manter o controle sobre os eleitos, para que as decisões
administrativas tomadas e as leis aprovadas no espaço oficial da política
reflitam o que é decidido nos espaços deliberativos do capital (as diversas
entidades representativas das corporações e seus fóruns de discussão), sejam
favoráveis ao sistema econômico e atenda suas exigências mesmo quando elas
implicarem sacrifícios enormes para a maioria da população. A manutenção de tal
controle implica gastos com lobistas e, dado o caráter dos que entram na política
para esse tipo de serviço (geralmente pessoas de moral frouxa e bolso
insaciável), exige propinas, presentes, vantagens e mesadas generosas.
A
necessidade de manter o Estado a serviço apenas de uma classe institucionaliza
a corrupção e a torna parte integrante do próprio sistema político no
capitalismo, e não uma falha nas pessoas que possa ser corrigida por via moral.
O controle dos representantes exercido pelos distintos setores do capitalismo
em um espaço de relativa autonomia (o Estado) obriga o pagamento (ilegal) dos
serviços políticos prestados pelos eleitos.
A
corrupção, portanto, é uma questão de sobrevivência do capitalismo. Uma maneira
de permitir a ilusão da democracia, enquanto os detentores do capital exercem o
poder sem a participação dos trabalhadores.
Quando,
porém, esse mecanismo falha, é necessário outro caminho, que inclui a suspensão
da própria democracia. Mas isso é tema para um próximo artigo.
Maurício Abdalla é professor de
filosofia na Universidade Federal do Espírito Santo
Fonte:
http://diplomatique.org.br/capitalismo-e-politica-a-corrupcao-primeira-parte/
Nenhum comentário:
Postar um comentário