COMO O JUDICIÁRIO TORNOU-SE INSTRUMENTO DE INSEGURANÇA JURÍDICA
Qual a segurança de que ainda pode dispor o homem comum do povo se a Justiça só tem olhos para ver os interesses dos donos do poder?
Até
quando o corporativismo e o omisso Conselho Nacional de Justiça assistirão,
impávidos embora comprometidos, a auto-degradação do Poder Judiciário, atingido
em todas as suas instâncias, do piso à alta Corte?
Essa
degradação é grave, pois ameaça a ordem constitucional-democrática e ameaça a
prestação jurisdicional da Justiça, de que dependem os mais fracos, os mais
pobres.
A
degradação — comportamental, ética e jurídica -- do Judiciário alcançou o
inimaginável com o recente bate-boca, despido de considerações jurídicas ou
ideológicas, protagonizado pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, o inefável,
em plena sessão do Supremo, transmitida pela televisão e repisada em todos os
noticiários e reproduzida pelos jornais e revistas, revelando ao povo o momento
assustadoramente medíocre do Poder Judiciário brasileiro -- o menos democrático
do poderes constitucionais, o menos vigiado, o menos fiscalizado, o menos
transparente, e no entanto, ou por isso mesmo, inepto e caríssimo.
O único
Poder cuja legitimidade não tem origem na soberania popular, mas que intenta
sobrepor-se a todos.
As
referências nominais aos dois ministros impõem-se pelo fato de haverem sido
eles os responsáveis pela mais recente querela (relembrem-se as disputas,
durante o julgamento do ‘Mensalão’ entre Joaquim Barbosa e
Ricardo Lewandovsky) e pelas verrinas com as quais cada um cuidou de despir o
outro.
Mas a
responsabilidade é coletiva, pois nem o STF nem o CNJ cuidaram, até aqui, por
exemplo, do comportamento do ministro Gilmar Mendes (um “ mentiroso",
segundo seu colega Luiz Roberto Barroso), que vem, de longa data, fazendo
picadinho do Regimento Interno do STF e do Código de Ética da Magistratura.
Em face da
suicida omissão corporativa, a sociedade reage como lhe permite a Constituição,
e ingressa no Senado Federal com pedido de abertura de procedimento visando ao
impeachment do ministro.
Como se
sabe, todos os pedidos, e não são poucos, têm sido denegados in limine, pelo
presidente do Senado. No caso em que fui um dos peticionantes, presidia a
respeitável Casa o fazendeiro Renan Calheiros, acossado
por uma série de processos no STF.
Os autores
agravaram da decisão do presidente do Senado e o STF, por unanimidade de votos,
rejeitou o recurso e estancou qualquer possibilidade de punição do ministro.
Assim se comportou o Supremo em todos os demais agravos.
Essa
cumplicidade intransponível é um dos fermentos da degradação.
O CNJ, sem forças, sem ânimo, sem vontade para julgar o ministro poderoso,
tenta, porém, autoritariamente, como é de seu DNA, processar juízes fluminenses
acusados de haverem feito proselitismo contra o impeachment.
E seus
colegas que fizeram esse mesmo proselitismo, mas a favor do impeachment?
Sobre
esses, nada. Na sessão em que o CNJ decidiu abrir inquérito contra os juízes
André Luiz Nicolitt, Cristiana de Faria Cordeiro, Rubens R. R. Casara e Simone
Nacif Lopes, a ministra Carmem Lucia, também presidente do CNJ, declarou que
“não é possível que continue havendo manifestações muito além dos autos”.
E o que
faz reiteradamente o ministro Mendes? E o que fazem os juízes da Lava Jato e suas
ramificações, dando entrevista a torto e a direito sobre matérias que adiante
vão julgar? Quais as providências até aqui tomadas diante do constante
vazamento de informações?
E como
enquadrar na lei as prisões preventivas e temporárias levadas a cabo para que a
autoridade obtenha dos acusados, ainda sem direito de defesa, a adesão à
delação premiada, transformando-a em negociação para obter a prova que o
inquiridor quer?
E
ilegalidade das ilegalidades, esse ‘inquiridor’ muitas vezes é o juiz, que
renuncia a qualquer sorte de isenção. Um juiz que, no mesmo processo, age como
se fôra, a um só tempo, delegado, procurador e julgador. O paradigma desse
juiz-pro-cônsul, senhor de baraço e cutelo, é o Sr. Sérgio Moro, que vai
estimulando crias por todo o país.
O Sr.
Gilmar Mendes, ademais de boquirroto, deitando falação sobre a vida
político-partidária, palpitando sobre tudo, circulando entre correligionários,
tem por hábito reunir-se com as partes, antes do julgamento e no julgamento não
se peja em defende-las, como se delas correligionário fosse, como se fosse
delas o defensor, e não o julgador, de quem a lei cobra isenção.
Assim
reuniu-se (na "calada da noite" segundo O Globo) com Michel Temer,
Moreira Franco e Eliseu Padilha inumeráveis vezes, já nas vésperas do
julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, e nesse julgamento,
atuou como presidente do TSE, como juiz e como advogado informal do ainda
presidente.
Foi dele o
voto de desempate que salvou Michel Temer da cassação do mandato, adquirido sem
voto. Segundo relatório da Polícia Federal, o acusado Aécio Neves e o ministro
Gilmar Mendes trocaram 43 ligações telefônicas entre os dias 16 de março e 13
de maio deste ano, sendo que algumas dessas ligações ocorreram no dia 25 de
abril, mesmo dia em que o ministro deferiu, monocraticamente, requerimento do
senador para suspender o interrogatório que o tucano teria no dia seguinte, na
Polícia Federal.
Por força
de seu comportamento assiduamente incompatível com a toga, o Sr. Gilmar Mendes
é mal que precisa ser sanado, mas não encerra todo o mal que está levando o
Poder Judiciário ao descrédito. O problema é mais grave pois diz respeito ao
funcionamento da instituição.
Um desses
problemas é seu protagonismo militante, rompendo os limites constitucionais de sua
competência e invadindo o terreno dos demais poderes, criando espaço para a
radicalização política e o partidarismo da Justiça, trazendo consigo, ora como
aliados e cúmplices, ora como concorrentes na disputa pelos holofotes o
Ministério Público e a Polícia Federal. Unidos estão ao se auto outorgarem o
inexistente direito à autonomia político-jurídica.
Esse
protagonismo é o artifício mediante o qual o Judiciário -- e seus adereços de
hoje, MPF e PF – interfere na politica, à revelia do voto, violando a democracia
representativa e legislando, quase sempre violentando a Constituição, como
quando descumpriu o artigo 53§3º ao promover a prisão do senador Delcídio do
Amaral, comportamento, todavia, que não repetiria quando o acusado passou a ser
o senador Aécio Neves: o mesmo fato, a mesma lei, duas decisões.
O STF, no
seu ‘criativismo’, legislou ao tornar passível de prisão o acusado nas decisões
de segunda instância, revogando de fato o inciso VII do artigo 5º da
Constituição, e legislou quando, ferindo de morte o art. 81 da Carta Magna,
determinou que candidato derrotado assumisse, sem eleição direta ou indireta,
nos casos de governadores e vices afastados.
Legislou,
ainda, com o voto de desempate da presidente Carmen Lúcia, fazendo valer a
retroatividade da lei penal, ao decidir que a punição determinada pela chamada ' Lei da Ficha Limpa' pode
ser aplicada a condenados antes de 2010 ( ano da lei), rasgando o inciso XL,
artigo 5º da Constituição: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o
réu”. Esses são exemplos pinçados ao acaso, pois a listagem é grande.
O Poder
Judiciário, assim, por essas e outras razões, tornou-se instrumento de
insegurança jurídica.
Essa
degradação, decorrente em parte da hipertrofia judicante, põe em discussão a
necessidade, dentre tantas outras, da urgência da reforma do Judiciário.
De logo
dois pontos se destacam, a saber, a instituição de mandato de 10 ou 12 anos dos
titulares dos tribunais pondo-se fim à vitaliciedade viciosa, e a
reestruturação do CNJ, transformando-o, de fato, em órgão independente e
autônomo, livre do viés corporativo atual, e assim aparelhado para proceder à
fiscalização do Poder Judiciário, fiscalização que ocorre fortemente sobre o
Executivo e o Legislativo, de que são exemplo os processos e os julgamentos de
nossos dias.
A reforma
do Judiciário, inadiável, deverá, relativamente ao STF, reduzir ao mínimo as
decisões liminares e monocráticas, a liberdade dada ao relator de levar o
processo ao Pleno segundo seu interesse, e o poder de pedir vista sem prazo
para devolução dos autos, simplesmente para paralisar o julgamento.
O STF
legisla quando não deve (nunca deve) e evita julgar (e sempre deve julgar)
quando assim prefere. Exemplo, dentre muitos, foi a decisão de transferir para
o Senado o julgamento do pedido de licença para processar o ainda senador Aécio
Neves.
Trata-se,
a toda evidência, de “operação casada” que se completou com a prevista decisão
do presidente do Conselho de Ética do Senado, rejeitando liminarmente o pedido
para processar o senador.
A justiça
promovida pelo STF é, ainda, casuística. Quando lhe coube julgar, anulou, em
decisão monocrática de Gilmar Mendes (sempre ele!), a nomeação do ex-presidente
Lula para a chefia da Casa Civil da presidente Dilma Rousseff.
As razões
alegadas por Mendes – o ex-presidente estava sendo investigado e a passagem
para o foro privilegiado traria prejuízo à investigação – estavam presentes,
mais tarde, na nomeação para a Secretaria Geral do Planalto, de Moreira Franco,
investigado pela Justiça Federal do Distrito Federal no caso da "Farra das
passagens”.
Mas o
ministro Celso de Mello rejeitou, neste caso, a existência de qualquer anormalidade.
Diante da mesma hipótese duas decisões antípodas. Qual a jurisprudência que
fica?
Qual a
segurança de que ainda pode dispor o homem comum do povo, o trabalhador, o
assalariado, se o Poder Legislativo é um valhacouto a legislar contra os
interesses do país e de seu povo, se o Executivo é a sede de uma súcia (diz-nos
o Ministério Público Federal), e se a Justiça, desvendada, só tem olhos para
ver os interesses dos donos do poder?
Deboche:
lê-se no editorial do Estadão, em 31.10.17: “Michel Temer tem sido mais
eficiente que seus antecessores petistas porque governa com o Congresso, e não
comprando o Congresso”.
Roberto Amaral — publicado 01/11/2017 16h02,
última modificação 01/11/2017 16h35
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/politica/como-o-poder-judiciario-tornou-se-instrumento-de-inseguranca-juridica
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