O PROGRESSO CONDUZ A UMA VIDA
MELHOR?
Para
encontrar espaço entre quem vê tecnologia como redenção do ser humano e quem
nega seu papel de forma absoluta
Quando
coloquei a mão no bolso e vi que o meu Iphone4 não estava mais lá, e
simplesmente tinha sido pungado, foi como se o mundo tivesse acabado. Nem a
música contagiante do Bloco das Carmelitas, que cantava com alegria o que era a
dor dos que perderam o Bonde, pode me devolver o bom humor. Definitivamente, o
carnaval tinha acabado para mim, naquela tarde, nas calçadas de Santa Teresa.
Como
poderia viver sem o meu IPhone de última geração? (depois, eu soube que ele já
tinha sido ultrapassado por um bem melhor, o Iphone4S).Como geraria rede WF
para o meu IPad2? Como receberia em tempo real os meus emails? Tinha agora que
ligar para operadora, bloquear meu chip, o aparelho e voltar a ser um simples
mortal: um sem-Iphone. E refleti: como eu me tornei dependente dessa maquininha
de comunicação da era digital?
Como
todos, alguns meses antes tinha tomado ciência e ficado consternado pela morte
do fundador da Apple, Steve Jobs, após uma longa luta contra o câncer.
Tratava-se, sem dúvidas, pensava eu, de um personagem importante da minha
geração pós-guerra – e um dos pilares da revolução digital, que preparou o
mundo para uma nova forma de ser e viver – um mundo de bits e bytes: a chamada
Era do Conhecimento, que veio a substituir a Era Industrial, dentro do modo de
produção capitalista.
A morte é
sempre um assunto delicado, e muitos pessoas não entendem como ela ainda pode
ainda acontecer, com tantos avanços tecnológicos e (segundo eles) a total
submissão da natureza. Isto se deu também com Jobs, que lutou com garras e
energias para que a morte não chegasse.
Assim
como Bill Gates, Mark Zuckerberg, Sergey Brin, Larry Page, e outros, ele fez
parte da galeria de jovens que, a seu tempo, deflagraram atitudes uma nova era.
Enquanto nas ruas havia um processo de mudança de comportamentos, eles
promoviam, nas garagens, uma outra revolução: a revolução do computador
pessoal. Estão para o mundo digital assim como Henri Ford, Henri Fayol e
Frederick Taylor estiveram para era industrial, do século passado.
Na
verdade, esta relação conflituosa do homem com a morte faz parte da história
humana e sempre ocupou a mente dos mais importantes filósofos, desde os
profundos confins das “calendas gregas”. Acredito, como alguns deles, que é
parte da intrincada relação entre os deuses Dionísio e Apolo. Na Grécia
primitiva, estavam em equilíbrio, mas, notadamente após Sócrates, Platão e
Aristóteles, o mundo pendeu para o que se transformou no “império da razão”,
com o predomínio dos conceitos apolíneos.
Desprezo
interpretações simplistas acerca dos efeitos maléficos da chamada revolução digital.
Sou um entusiasta dos avanços científicos para humanidade, e suponho seja por
isso que gostava tanto do meu falecido IPhone4. Não me comporto como os
operários do inicio da revolução industrial, que quebravam as máquinas, pois as
julgavam causadoras da onda de desemprego que o capitalismo criou nos seus
primórdios. Mas em momento algum me oriento para o conceito de que está no
domínio da ciência a panaceia da libertação do homem sobre o seu maior predador
— o próprio homem.
A vida
mostra que isto não é verdade. Pelo contrário. O “esclarecimento” visto aqui
como o Iluminismo não libertou o homem com as luzes do seu conhecimento, como
pensava Platão, nem o afastou daquilo que o impedia de ver a realidade. Na
verdade, apenas substituiu o deus, das religiões primitivas e da Idade Média,
para outro, onipotente e infalível: a ciência.
Criou-se
um mundo ainda mais desigual; mais automatizado, onde todos são meramente
consumidores e onde o próprio trabalho – entendido aqui como o trabalho
abstrato, formado no mundo erigido pela burguesia liberal, essência até então
da relação entre os possuidores e os despossuídos — abre espaço para uma nova
lógica produtiva.
Nesta,
assistimos ao casamento entre ciência, tecnologia avançada e grandes
investimentos. Podemos antever um futuro muito próximo, em que este trabalho
abstrato será desnecessário, lançando a humanidade em uma era de trevas sem
precedentes.
Como
diria o filósofo Roberto Schwarz, comentando o livro do pensador alemão Robert
Kurz, seria “O colapso da modernização”: ”a mão de obra barata e semiforçada
com base na qual o Brasil ou a União Soviética contavam desenvolver uma
indústria moderna ficou sem relevância e não terá comprador. Depois de lutar
contra a exploração capitalista, os trabalhadores deverão se debater contra a
falta dela, que pode não ser melhor. Ironicamente a exaltação socialista do
herói proletário e do trabalho consagrava um gênero de esforço historicamente
já obsoleto, de qualidade inferior e pouco vendável, superado pelo capital e
não pela revolução.” (Roberto Schwarz, em artigo na Folha de São Paulo).
Esse
conhecido axioma de uma obra de Adorno e Max Horkheimer, A dialética do
Esclarecimento, resume bem tal situação: “Num sentido mais amplo do progresso
do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar o
homem do medo e investi-lo na posição de senhores. Mas a terra totalmente
esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”.
Pergunto,
então: por que, dispondo o homem de um conjunto monumental de conhecimento
técnico, de instrumentos científicos fantásticos, mantém um mundo desigual,
famélico, miserável, instável e sem perspectiva de futuro?
Sei que
se torna difícil argumentar em um plano de intensas paixões, onde a mídia, que
está sempre criando heróis para o consumo imediato, nos embaça os sentidos e
nos afasta da realidade. Mas temos que ver a Apple, Windows, Facebook, Google,
IBM, etc, todos dentro da lógica do mercado e da necessidade que tem o
capitalismo em tentar racionalizar cada vez mais o processo produtivo de
mercadorias.
Nada de
novo sob o sol. Trata-se de ferramentas utilíssimas, dentro do quadro
capitalista. Servem para o bem ou para o mal (detesto esta comparação
maniqueísta, mas… vamos lá!). Torna-se imprescindível, então, saber quem está
no controle. E na verdade, todos nós sabemos que os avanços científicos não se
têm voltado para o bem estar da humanidade, mas para a perfeição dos
instrumentos, que se não surgir uma outra lógica, irão nos levar, como já estão
levando, à barbárie.
Não tem
sentido a visão de “progresso” visto apenas dentro do quadro dos avanços
científicos. Foi esse “canto de sereia” que seduziu os lideres das utopias
modernas, tais como o chamado “socialismo real” da União Soviética, o
nacional-socialismo da Alemanha e o fascismo italiano. Hoje, enche os ouvidos
da China oriunda do maoísmo. Em ultima instancia, diria Guy Debord: tudo acaba
se sujeitando ao império da mercadoria. Acabam todos reduzidos a animais na
busca da felicidade através do consumo desenfreado de bens de consumo, a
exemplo das guerras de facções do tráfico no Rio de Janeiro ou das explosões de
ruas dos jovens excluídos, nos guetos de Londres ou Paris.
Steve
Jobs não cursou até o fim a universidade. Nesse sentido, seguiu caminho
semelhante ao do nosso presidente Lula, que também não precisou de um diploma
para obter êxitos na política. Ambos deram maior valor ao espírito intuitivo,
que os levou, em suas áreas, à vanguarda de ações práticas. Mas, em determinado
momento de suas vidas públicas renderam-se à coruja ateniense, recebendo
comendas nas grandes catedrais do conhecimento — as universidades, que na
verdade costumam ser as avalistas das trajetórias dos grandes personagens da
sociedade em que vivemos.
Homenagens
àqueles que contribuíram para um chamado “mundo melhor”, segundo a sua
perspectiva, fazendo hoje o mesmo papel que os reis ou o Papa exerciam,, com
suas comendas, nas sociedades passadas.
Para
melhor conhecer esses personagens sugiro que procurem o filme “Piratas do Vale
do Silício”. Feito para a televisão, pela TNT, escrito e dirigido por Martyn
Burke, é baseado no livro Fire in the Valley: The Making of The
Personal Computer, de Paul Freiberger e Michael Swaine. Oferece uma versão
dramatizada do nascimento da era da informática doméstica, desde o primeiro PC,
através da histórica rivalidade entre a Apple e seu Macintosh e a Microsoft. É
interessante, permitindo ver que a logica que impulsionou aqueles jovens está
inteiramente calcada no casamento entre ciência, capital e tecnologia, que é o
fundamento da sociedade de mercado contemporânea.
Não está
na concepção “progressista” a formula do desenvolvimento da humanidade, que
assiste perplexa a volta de atitudes totalmente inumanas com o uso de
tecnologias de ponta. Fico com as palavras do filósofo:
“A
humanidade não representa um desenvolvimento rumo ao melhor ou ao mais forte ou
ao mais elevado tal como hoje se acredita. O ‘progresso’ é meramente uma ideia
moderna, ou seja, uma ideia errônea. O valor do europeu de hoje fica muito
abaixo do europeu da Renascença; não há qualquer relação necessária entre
evolução e elevação, intensificação, fortalecimento” (F.Nietzche, in o O
Anticristo).
Serra da Mantiqueira, novembro de 2017
Arlindenor Pedro é professor de história e especialista em projetos educacionais.
Anistiado por sua oposição ao regime militar, dedica-se na atualidade à
produção de flores tropicais na região das Agulhas Negras.
Fonte: http://outraspalavras.net/posts/o-progresso-conduz-a-uma-vida-melhor/
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