O objetivo deste artigo é traçar uma análise panorâmica da trajetória do
Direito Ambiental brasileiro no ano de 2017, destacando os julgados e
acontecimentos mais importantes. É evidente que alguns fatos relevantes poderão
não ser incluídos tanto por conta do juízo de preferência dos autores quanto
para evitar que o texto fique extenso demais. Não se pode desconsiderar que a
nossa legislação ambiental é, de maneira geral, bastante avançada, com forte
embasamento constitucional e um arcabouço normativo infraconstitucional sólido.
No entanto, é somente com a observação da jurisprudência e dos eventos
políticos-jurídicos que esse avanço pode ser efetivamente medido. Em vista
disso, o presente trabalho procurará examinar julgados, ocorrências
jurídico-políticas e desdobramentos dos textos legais.
Em maio de 2017 o Senado aprovou a MPV 756/2016 reduzindo a área do Parque
Nacional do Rio Novo e da Floresta Nacional de Jamanxim para compor a recém
criada Área de Proteção Ambiental do Jamanxin, de maneira a reduzir o nível de
proteção ambiental e a viabilizar a permanência dos posseiros ali presentes,
verdadeiro intuito da norma. Essa discussão passa pela ausência dos requisitos
constitucionais de relevância e urgência e pelo desrespeito ao inciso III do §
1º do artigo 225 da Carta Magna, segundo o qual somente lei pode suprimir
espaços territoriais ecologicamente protegidos[1]. Felizmente, em junho de 2017 o
presidente Michel Temer vetou a MPV (editado por ele mesmo) após oitiva do
Ministério do Meio Ambiente, que apontou a fragilização da Amazônia Brasileira
e do Estado de Santa Catarina (vide Mensagem 198, de 19 de junho de 2017).
Ainda em relação às UCs, em dezembro de 2017 a Presidência da República
editou a MPV 809 criando o fundo privado de recursos da compensação ambiental
prevista no artigo 36 da Lei 9.985/2000. A iniciativa é interessante
porque ajuda a combater o desvio de finalidade na aplicação dos recursos em
despesas estranhas às UCs e porque põe fim ao entendimento do TCU que proibia o
pagamento pecuniário da referida compensação, o que limitava o setor produtivo.
De qualquer forma, a despeito da relevância, é nítida a falta de urgência na
matéria apta a justificar o atropelamento do processo legislativo ordinário (leia aqui).
A legislação minerária também sofreu modificações por meio das MPVs 789, 790
e 791, todas de julho de 2017. Apenas a segunda perdeu a eficácia e não foi
convertida em lei. Embora tratem especificamente da regulação minerária, as
aludidas MPVs interferem na regulação ambiental, tendo em vista que a mineração
é atividade pautada na pesquisa e extração de recursos naturais não renováveis.
As MPVs não ajudaram a promover a interação entre a regulação ambiental e a
minerária, o que certamente contribuiria para a efetividade dos dois
instrumentos de controle da mineração (leia aqui).
Outro assunto que mereceu bastante polêmica foi a extinção da Reserva
Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), nos estados do Pará e do Amapá,
criada pelo Decreto 89.404/1984. Tal reserva constitui zoneamento minerário em
que o chefe do Executivo federal prioriza, num espaço territorial específico, a
pesquisa e a extração de cobre (e substâncias associadas) cujos trabalhos
seriam desenvolvidos pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) –
Empresa Pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Em 22 de agosto, o
presidente Michel Temer editou o Decreto 9.142/2017 extinguindo a Renca. O
presidente foi duramente criticado por ter supostamente autorizado a mineração
em espaço territorial protegido para fins ambientais, havendo decisão liminar
em ação popular suspendendo os efeitos do Decreto sob o fundamento de que área
protegida só poderia ser extinta por meio de lei. Em que pese a louvável
intenção de proteger o meio ambiente, a verdade é que a Renca constitui mero
zoneamento minerário no qual a atividade minerária é destacada, com a única
diferença de enfatizar determinada substância mineral (no caso, o cobre); a
Renca jamais pode ser caracterizada como UC, pois não há o intuito de proteger
recursos ambientais com características relevantes. A extinção não exige lei.
Diante desse cenário, o presidente editou, no dia 28 de agosto, o Decreto
9.147/2017, revogando o Decreto 9.142/2017, mas manteve a extinção da Renca.
Apenas deixou claro o óbvio: a extinção da Renca não implica no fim das
Unidades de Conservação e das terras indígenas demarcadas na área anteriormente
zoneada. As críticas continuaram e o presidente recuou mais uma vez expedindo
em 25 de setembro o Decreto 9.159/2017, revogando o Decreto 9.147/2017 e
revigorando o Decreto 89.404/1984, que criou a Renca. É de se destacar que a
existência da Reserva protegeu o meio ambiente pela via reflexa, devido à
inércia da CPRM em desenvolver as atividades de pesquisa e lavra. Sua extinção
certamente iria fomentar a mineração no local, política que talvez não seja
adequada à Floresta Amazônica brasileira. Registre-se que a desnecessidade de
processo legislativo para extinguir a Renca não retira a importância da
realização de debates prévios, pois a extinção do patrimônio nacional não pode
ocorrer num singelo “toque de mágica” do chefe do Poder Executivo federal. Com
efeito, faltou a realização de debates prévios, audiências públicas e outros
instrumentos garantidores da participação e do controle social.
Em novembro o STF julgou inconstitucional o artigo 2º da Lei Federal
9.055/95, que permitia a extração, industrialização, comercialização e a
distribuição do uso do amianto crisotila no país. O assunto já julgado
incidentalmente inconstitucional na ADI 3.937, teve a sua inconstitucionalidade
reafirmada no âmbito das ADIs 3.406 e 3.470 agora com efeito erga omnes
e caráter vinculante (leia aqui). Já no final de dezembro a ministra Rosa Weber,
relatora do caso, concedeu liminar naquela ADI suspendendo os efeitos erga
omnes, de forma que a proibição ficou restrita às unidades federativas
onde há lei nesse sentido (leia aqui).
Ainda sobre a atividade minerária, em novembro de 2017 a tragédia de Mariana
(rompimento de barragens da Empresa Samarco e contaminação do Rio Doce e do oceano
atlântico) completou dois anos. Ainda não houve o desfecho do caso e em
dezembro de 2017 a Câmara de Atividades Minerárias, que compõe o Conselho
Estadual de Política Ambiental (órgão subordinado à Secretaria de Meio ambiente
de Minas Gerais), aprovou as licenças ambientais prévia e de instalação. Além
disso, foi ajuizada a curiosa Ação Civil Pública em nome do Rio Doce (como se
fosse ente com personalidade judiciária), com o patrocínio da Associação
Pachama. Tal demanda mereceu diversas críticas de especialistas pela falta de
legitimidade ativa do Rio Doce e pela fragilidade da petição (leia aqui).
Também merece destaque o Decreto 9.179, que alterou o Decreto 6.514/2008
(que dispõe sobre as sanções administrativas ambientais e o seu respectivo
processo) regulamentando a possibilidade de conversão de multas em prestação de
serviços ambientais nos termos do § 4º do artigo 72 da Lei 9.605/98 (Lei dos
Crimes e das Infrações Administrativas Ambientais). Os descontos são de 35% e
60% e os valores deverão ser aplicados em projetos de recuperação de área
degradada, educação ambiental ou regularização fundiária de UCs, por exemplo.
Estima-se que o total de multas atingidas pelo Decreto totalizam quantia
superior a quatro bilhões de reais (leia aqui). A medida não deixa de ser positiva pelas
seguintes razões: i) tende a abreviar a duração do processos administrativos
ambientais, ii) tende a aumentar a arrecadação e iii) gerará benefícios diretos
ao meio ambiente. Por fim, cumpre esclarecer que esse benefício não isenta o
infrator da obrigação de reparar o dano causado (artigo 143, § 1º).
Em 14 de setembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao
julgamento de cinco demandas de controle concentrado relativas ao Código
Florestal (Lei 12.651/2012): Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADC)
42 e Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937. Na
sessão de 8 de novembro de 2017, o Relator – mininistro Luiz Fux – proferiu
voto no sentido da inconstitucionalidade de alguns dispositivos, dentre eles o
Programa de Regularização Ambiental (PRA), que funcionaria como verdadeira
anistia dos produtores rurais que cometeram infrações anteriores à data de 22
de julho de 2008[2]. O julgamento foi suspenso após o
pedido de vista da presidente, ministra Cármen Lúcia.
Outra questão digna de comentário relacionada ao Código Florestal, é a falta
de consolidação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não tem conseguido
cumprir o seu papel de viabilizar a regularização ambiental de propriedades e
posses rurais. Prova disso é que em 29 de dezembro de 2017 foi assinado o
Decreto 9.257 que mais uma vez prorrogou até 31 de maio de 2018 o prazo para
requerer a inscrição no CAR.
A Lei Complementar 140/2011, que regulamentou o parágrafo único do artigo 23
da Lei Fundamental na tentativa de pôr fim aos conflitos de competência
administrativa entre os três níveis federativos, continua não logrando o êxito
desejado. A prevalência da autuação do órgão licenciador no âmbito
administrativo (artigo 17), por exemplo, não tem sido observada pelo Poder
Judiciário, que de maneira geral tem julgado com o mesmo entendimento de antes.
A participação dos órgãos intervenientes no licenciamento ambiental precisa ser
devidamente disciplinada, notadamente no que diz respeito à forma e ao momento
(artigo 13). Por outro lado, também a ADI 4757 proposta pela ASIBAMA
em 2012, que tem por objetivo declarar a inconstitucionalidade da Lei
Complementar 140/2011, também não avançou sob a relatoria da ministra Rosa
Weber.
Em relação aos resíduos sólidos, foi editado o Decreto 9.177 que
regulamentou a logística reversa obrigatória, a que estão obrigados
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos geradores
de resíduos. Mais efetivo mecanismo de gestão de resíduos perigosos no Brasil,
o objetivo é fazer com que os resíduos de agrotóxicos, baterias, lâmpadas,
pilhas etc retornem à cadeia produtiva (leia aqui).
No tocante aos dispositivos constitucionais, chamou atenção a Emenda
Constitucional (EC) 96/2017, que incluiu no artigo 225 o § 7º dispondo que
práticas desportivas utilizadoras animais, como manifestação cultural, não se
consideram cruéis. Tal norma é oriunda da famigerada PEC da vaquejada, cuja
apresentação ocorreu após a declaração de inconstitucionalidade, pelo STF na
ADI 4.983, de Lei do Ceará que regulamentava a vaquejada, sob o argumento
da existência de crueldade animal. O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal
ajuizou a ADI 5.728 em face da referida EC 96/2017 sob o fundamento de que o
artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal proíbe a tramitação de emenda
tendente a abolir direitos fundamentais, dentre os quais está a proteção
animal[3].
Ainda sobre normas constitucionais, a Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a PEC 97/2015 (conhecida como PEC dos
ventos), que acrescenta ao rol de bens da União o potencial de energia eólica,
permitindo a cobrança de royalties sobre o resultado da exploração dessa
energia, cujos recursos seriam compartilhados entre os entes federados. É
evidente que a geração de “energia limpa” deveria ser incentivada pelo Poder
Público ao invés de sofrer encargos financeiros, consoante determina o inciso
VI do artigo 170 da Lei Fundamental[4].
Mas o retrocesso bancado pelo lobby do petróleo não se limitou a isso, pois
em agosto o Poder Executivo editou a MPV 795/2017, que em dezembro foi
transformada na Lei 13.586, concedendo tratamento tributário diferenciado às
atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás
natural e de outros hidrocarbonetos fluidos. Cuida-se de uma bilionária e
escandalosa isenção fiscal que não apenas prejudicará a indústria nacional, mas
afronta toda a política climática e de energias renováveis, pois vai na
contramão do Acordo de Paris.
Também se procurou aprovar o Projeto de Lei 3.729/04, iniciado na Câmara dos
Deputados, dispondo sobre a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que, entre
outras coisas, traria as seguintes novidades: aumento do prazo de validade das
licenças, dispensa do EIA/RIMA, maior autonomia dos estados e municípios para
simplificar procedimentos, redução dos prazos de análise e supressão de algumas
etapas de licenciamento. No entanto, a guerra travada entre a versão do
Ministro Sarney Filho e a da bancada ruralista, que almejava um grau maior de
flexibilização, resultou na paralisação do projeto.
Em dezembro foi publicada a Lei 13.576, que instituiu a Política
Nacional de Biocombustíveis. Dentre os objetivos (artigo 1º, I a IV), estão o
atendimento aos compromissos firmados pelo Brasil no Acordo de Paris, a
contribuição com a eficiência energética e redução da emissão de gases de
efeito estufa, a expansão na produção/uso de biocombustíveis e a participação
competitiva dos biocombustíveis no mercado nacional. A medida é interessante
porque procura contribuir para a segurança energética e para a redução da
emissão de gases estufa, além de criar uma política de Estado integrada para o
tema. É que antes o álcool e o biodiesel seguiam regimes jurídicos distintos,
ficando os demais tipos de biocombustível relegados a um segundo plano. Faz-se
necessário agora que os instrumentos da nova política, como os Créditos de
Descarbonização e a Certificação de Biocombustíveis, sejam aplicados da forma
mais efetiva possível.
Verificou-se, portanto, que o ano de 2017 foi de avanços e de retrocessos
para o Direito Ambiental, ainda que mais de retrocessos do que de avanços.
Também foi destaque o protagonismo do Poder Executivo federal na edição de MPVs
sem os requisitos da urgência e da relevância, e na edição de normas sem debate
prévio com a sociedade civil e os setores interessados.
1 A jurisprudência do STF e do STJ
entende pela impossibilidade de desfazer no todo ou em parte espaços
territoriais ecologicamente protegidos a não ser por lei. Vide os acórdãos do
RE 519.778 da 1ª Turma do STF (Rel. Min. Roberto Barroso) e do RESp 1071741 da
2ª Turma do STJ (Rel. Min. Herman Benjamin).
2 Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=361342>.
Acesso 05 jan. 2018.
3 Disponível em:
<http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=348571>.
Acesso 05 jan. 2018.
4 “Art. 170. A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente,
inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (...).
Talden
Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas
(UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor
de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.
Pedro Ataíde é advogado, mestre em Ciências Jurídicas
(UFPB) e autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.
Acesso: 16 jan. 2018.
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