DISTOPIA 2050
Começou há 33 anos. O monstro
pedia mais combustíveis fósseis; não fomos capazes de freá-lo. Então, emergiu a
AntiPolítica. Parece tão distante… agora, as crianças já não podem compreender
o que eram países, ou sociedades.
Certa vez, há muito, muito tempo,
testemunhei diante da grande assembleia de nossa terra.
Quando descrevo esse fato para as
crianças, hoje, soa como um conto de fadas. Em certo tempo – antes do mundo
estilhaçar-se num milhão de pedaços – essa velha mulher era uma jovem idealista
que tentou persuadir nosso poderoso Congresso de que um monstro estava
perseguindo nossa terra.
“Eles acreditaram, tia Rachel?” –
as crianças me perguntaram.
“Eles me ouviram, mas não me
escutaram.”
“E o que você fez?”
“Pensei muito, escrevi muito e
organizei uma apresentação ainda melhor!, disse-lhes pacientemente. “Eu tinha
de dar um jeito de tornar aquele monstro visível para que aquelas pessoas
poderosas pudesse vê-lo.”
“Como era ele, tia Rachel?”
“Era invisível, crianças, mas
podíamos sentir sua respiração quente. E podíamos ver as coisas terríveis que
fazia. Podia fazer os oceanos se levantarem. Podia fazer as colheitas secarem
nas lavouras. Ainda assim, continuávamos alimentando esse monstro terrível.”
“Mas, por que?”
“É o que o monstro demanda.
Alguns monstros querem devorar crianças pequenas. Outros insistem em jovens
donzelas. Mas este aqui insistia em navios-tanque de petróleo e carregamentos
de carvão. E, à medida que crescia, exigia cada vez mais.”
A essa altura, as crianças
estavam com os olhos arregalados. “E o que você fez?”
“Falei com aquelas pessoas
poderosas novamente. E desta vez tentei descrever o monstro com mais força.” À
medida em que eu voltava ao passado, o rosto das crianças transformava-se no
daqueles políticos mortos há tanto tempo. “Apresentei mais gráficos detalhados
do aumento das temperaturas. Citei estatísticas sobre o impacto da queima de
carvão, petróleo e gás natural. Mostrei fotos do que o gelo derretido e a
elevação do nível dos mares já haviam feito. E então mostrei a eles imagens de
como o futuro seria: cidades submersas, terras arrasadas pela seca, oceanos
mortos. Eles olharam e ainda não viram. Ouviram e escutaram menos ainda.
Pessoas poderosas — conclui — nem sempre são boas pessoas.”
“E o que você fez?”, elas
perguntaram de novo.
“Parei de falar, meus queridos.
Vim para cá escapar do monstro. Vim para Arcadia.”
Pareciam desapontadas. As
crianças conhecem os contos de fada. Elas esperam que alguém – talvez um
cavaleiro de armadura brilhante – apareça de repente e mate o monstro.
“Não havia nenhum cavaleiro”,
lamentei. “E o monstro ainda vive. Podemos sentir seu hálito quente até agora.”
Claro, meus jovens alunos não
entendem bem minha história. Hoje, em 2050, não há mais Congresso nos Estados
Unidos. Não há mais audiências públicas. Não há mais painéis
intergovernamentais ou reuniões globais. É como se eu falasse para eles sobre
banquetes romanos ou combates medievais. E mesmo assim meus alunos sempre pedem
mais histórias sobre o mundo desaparecido de 2017, como se estivessem pedindo
mais uma fábula de Esopo. Mas eles não enxergam como essas lendas de tanto
tempo atrás estão conectadas com suas vidas de hoje.
Afinal, vivem num mundo
pós-político.
A morte da política
Antes do termômetro global ficar
fora de controle, antes da grande pane econômica do início dos anos 2020, antes
da escalada das batalhas entre justiceiros e jihadistas, antes de a comunidade
internacional rachar como um espelho esmagado por um punho, houve aquela morte
inicial, quase despercebida à época.
Como os historiadores – aqueles
que ficam para contar a lenda – irão informar vocês, não houve funerais nem
obituários para a morte da política. E mesmo que tivesse havido, poucos teriam
derramado algumas lágrimas. A confiança que as populações tinham em seus
representantes naqueles dias era mais baixíssima. Nos Estados Unidos,
meros 9% confiavam
no Congresso, comparados com 18% que confiavam nas grandes empresas e 73% nos
militares.
A política em Washington, onde eu
vivia naqueles anos pré-diluvianos, havia se tornado um cabo de guerra entre
dois times odiados. Às vezes, um lado vencia e arrastava o outro pela lama.
Então a situação se invertia. Não importa: no final das contas, estavam todos
enlameados.
Sim, as coisas poderiam ter
acontecido de forma diferente. Era possível ainda adotar reformas radicais e
formar uma nova geração de políticos. Mas no momento de maior perigo – para si
mesmos e para o mundo inteiro – os norte-americanos viraram as costas para a
política, elegendo o candidato mais antipolítico da história do país. Os pais
fundadores fizeram de tudo para assegurar que o sistema não produziria esse
resultado, mas não havia como prever Donald Trump ou as circunstâncias que o
colocaram no poder.
Quando os primeiros europeus
chegaram na América do Norte, mais de meio milênio atrás, trouxeram armas muito
mais poderosas do que os machados de pedra e tacapes de madeira brandidos pelas
nações ancestrais. Mas não foram apenas as armas que se revelaram tão
devastadoras. Os europeus levavam dentro de si algo muito mais letal: doenças
invisíveis como a varíola e a gripe. Esses vírus golpearam os nativos
americanos como muitas foices, matando nove em
cada dez habitantes originários do continente.
Muitos séculos depois, Donald
Trump chegou em Washington munido das armas explícitas da retórica extremista e
do sangue-frio sociopata com que destruiu seus opositores políticos. Mas o que
ele carregava escondido dentro de si foi o que seria, em última análise, mais
catastrófico. Embora tivesse concorrido contra o establishment político
na campanha eleitoral que o colocou na Casa Branca, também jogou, para chegar
lá, segundo as mesmas regras políticas. Lá no fundo, porém, sua maior urgência
era destruir completamente a política: tweet após tweet, ultraje após ultraje.
E seu ataque à política acabaria
com o mundo como o conhecíamos, por volta de 2017. No final, tornaria
irrelevantes depoimentos no Congresso e o próprio Congresso. Ainda hoje, mais
de trinta anos depois, os cadáveres continuam sendo empilhados.
O julgamento de Paris
Ensino ciência para crianças
pequenas aqui em Arcadia. Não é difícil explicar os conceitos científicos
básicos que tanto mudaram nosso mundo, e temos um laboratório bem equipado para
que façam experiências. Por isso, eles entendem a ciência das mudanças
climáticas. O que os deixa desconcertados é como a crise aconteceu…
“Por que nossos avós não fizeram
com que as fábricas trabalhassem em dias alternados?”, uma garota brilhante me
perguntou certa vez. “Por que não usaram aqueles carros toscos somente no fim
de semana?”
Nossas crianças conhecem pouco
além de Arcadia, e esta comunidade é completamente sustentável. Produzimos tudo
o que necessitamos.. O que não cultivamos, sintetizamos ou criamos em nossas
impressoras 3-D. Temos um comércio limitado com as poucas comunidades vizinhas.
Se há uma morte inesperada, emitimos outra permissão de nascimento. Se o nível
de nossas baterias solares cai durante o inverno, racionamos energia. Tudo é
reciclado, dos ossos de nossas galinhas aos nossos excrementos. As crianças de
Arcadia não entendem o desperdício.
Elas também não entendem o agora
estranho conceito de comunidade internacional. Nunca se aventuraram além dos
muros de nosso pequeno universo. Só viram o mundo exterior por meio do turismo
virtual, o que apenas reforça seu desejo de continuar aqui. Afinal, o mundo lá
fora não passa de uma coleção de pequenos fragmentos penetrantes, que meu
ex-marido costumava chamar de terras rachadas deste planeta. Meus alunos não
conseguem compreender como esses cacos, a maioria deles microambientes
extremamente perigosos, conseguiam juntar-se no passado, formando grandes
nações que às vezes cooperavam para resolver problemas comuns. É como aquela
velha história do elefante e os seis homens cegos. As crianças de Arcadia podem
entender as partes, mas obviamente, diante dos acontecimentos das últimas três
décadas, o todo lhes escapa.
Pensem naquela comunidade
internacional, há muito desaparecida — digo para eles — como um bebê chorão
nascido em 1945 de pais briguentos. A infância conturbada foi seguida por uma
estranha juventude. Somente na meia idade, com o fim da Guerra Fria, em 1989,
finalmente caiu em si, mas por pouco tempo. Em poucos anos entrou em senilidade
prematura. Em 2017, com 72 anos, a comunidade internacional já havia passado a
idade de aposentadoria, com a saúde frágil e precisando desesperadamente de
assistência de saúde.
Essa idosa criatura coletiva,
este Cavaleiro da Triste Figura, era visto como nosso salvador, o matador do
monstro horrível. Quando chegou a hora, contudo, mal poderia levantar uma
lança.
Sem nenhum conhecimento do ciclo
de vida da comunidade internacional, meus alunos não podem mesmo entender por
que as temperaturas globais continuaram a subir na primeira parte deste século,
a despeito dos melhores esforços dos cientistas, ambientalistas e cidadãos
conscientes. Vários países, Uruguai e Butão entre
eles, foram extraordinariamente longe na redução de sua pegada de carbono. As
pessoas adotaram o vegetarianismo, passaram a usar carros elétricos, reduziram
o uso de aquecedores no inverno – como se mudanças no estilo de vida, por si
só, pudessem assassinar o monstro.
Infelizmente, um problema global
requeria uma resposta realmente global. O acordo climático de Paris, assinado
por 196 países no final de 2015, representava esse esforço. Somente dois países recusaram-se
a assinar, uma (a Síria) porque estava atolada numa guerra civil e a outra
(Nicarágua) por pura obstinação. Isso apesar dos termos do acordo estarem longe
do adequado. A comunidade internacional, que se reuniu neste crepúsculo de
cooperação, entendeu bem a enormidade do desafio: impedir que as temperaturas
globais subissem dois graus acima da média pré-industrial. Na melhor hipótese,
porém, o tratado de Paris evitaria que as temperaturas subissem três graus. E como todos sabem agora, nem isso aconteceu.
Então aquela comunidade
internacional abandonou a
própria ideia de sustentabilidade e abraçou seu primo menor, a resiliência.
Tento explicar às crianças que sustentabilidade tem a ver com harmonia –
manutenção de equilíbrio, nunca tomar mais do que damos de volta. Resiliência,
por sua vez, é fazer as adaptações requeridas por uma crise, para simplesmente
sobreviver. A decisão de Paris, ao consentir com a resiliência foi, na verdade,
o reconhecimento do fracasso.
Embora frágil, foi ao menos parte
de um processo. É disso que se trata a política democrática, digo para meus
alunos. Você tem de começar em algum lugar e esperar que melhore a partir dali.
Afinal, há sempre a possibilidade de que um dia você consiga até passar da
resiliência para a sustentabilidade.
Mas, claro, há também a opção de
regredir, que é exatamente o que aconteceu.
A Contrarrevolução Trump
É um fato lastimável de nosso mundo que destruir seja tão mais fácil que construir. Qualquer um pode empunhar uma marreta; poucos podem usar uma espátula. Um espirro inadvertido pode derrubar o mais elaborado castelo de cartas.
Donald Trump foi mais do que
somente um espirro. Sua devoção à destruição
do “Estado administrativo” foi impressionante. Naquele tempo, nós estávamos
todos tão focados no lado doméstico da destruição – a derrubada dos pilares do
Estado de bem-estar social, a revogação do sistema de saúde universal, a
reversão da proteção e dos direitos de voto legais de todos os tipos – que
falhamos em prestar a devida atenção para quanto aquela destruição espalhou-se
pelo planeta e o devastou.
O novo presidente cancelou os tratados
de comércio pendentes, tapou o nariz para aliados tradicionais e questionou a
utilidade de acordos como aquele que desativava o programa nuclear do Irã. Mas
esses eram ataques em sua maioria bilaterais. Muito mais perigosas foram suas
ferozes investidas contra a governança internacional.
A mais importante delas, é claro,
foi sua decisão de retirar os Estados Unidos do acordo de Paris. É verdade que
era um acordo frágil, não obrigatório. Mas mesmo isso era demais para Donald
Trump. O presidente declarou que
o acordo colocaria os norte-americanos em desvantagem e forçaria os
trabalhadores e contribuintes a “absorver os custos” de reduzir as emissões de
gás do efeito estufa por meio da “perda de empregos, redução de salários,
fechamento de fábricas e produção econômica tremendamente reduzida.” Não
importava que nada daquilo fosse verdade. Programas de energia renovável
estavam criando mais
empregos bem pagos do que as indústrias de energia suja tentavam manter. Em seu
surto de destruição, contudo, o presidente Trump nunca sentiu necessidade de
justificar suas ações recorrendo a fatos verdadeiros.
Além do mais, os Estados Unidos
eram tanto o país mais rico como o maior emissor de carbono do mundo. É como
dizemos aos nossos alunos aqui em Arcadia: se você é quem mais contribuiu cou
bagunça, deveria ser o mais responsável pela
limpeza. É um conceito fácil das crianças absorverem. Apesar disso, estava além
do reconhecimento da maioria dos norte-americanos.
Pior do ser meramente
indiferente, o novo presidente estava determinado a apressar o aquecimento
global, se necessário unilateralmente, ao expandir a
extração de petróleo perto do litoral; ao dar sinal verde para a construção de
mais gasodutos e oleodutos; ao reduzir as
restrições à indústria de energia suja; ao retirar o
apoio para o desenvolvimento de energias alternativas; ao encorajar a produção
e reduzir os limites de emissão para veículos que
“bebem” gasolina; e ao cortar o
orçamento para a implementação de padrões ambientais de todo tipo imaginável.
Em outras palavras, Trump não estava apenas querendo deixar enterrado o tesouro
dos combustíveis fósseis. Estava ansioso para alimentar o monstro ainda mais do
que este demandava.
Se estivéssemos vivendo em tempos
normais, poderia ter sido possível lutar efetivamente em termos políticos
contra esse assalto. Mas exatamente quando a visão baseada
em uso carbono de Trump tomava os Estados Unidos e o mundo explodia sobre nós,
a política era levada para um quarto dos fundos e estrangulada.
A Política da antipolítica
Eu me lembro do nascimento da
antipolítica. Era jovem quando os dissidentes do mundo “comunista” começaram a
associar a atividade política oficial a uma ordem imoral. Votar, acreditavam,
era um gesto vazio, quando o partido no poder recebia 99% dos votos. Os
parlamentos eram algo oco, quando o partido condutor e o politburo tomavam
todas as decisões. Quando a política está assim comprometida, todos — exceto os
oportunistas — recuam para a antipolítica.
O “socialismo real” morreu em
1989, e a política renasceu naquelas terras de antipolítica – mas muito
fugazmente. Em uma década, os novos convertidos à democracia começaram a
retornar à sua desconfiança inicial em relação a tudo que era político e os
políticos convencionais tornaram-se os inimigos. A colaboração e o consenso
eram mais uma vez um anátema.
E então essa insatisfação com a
política como a conhecíamos começou a se espalhar-se para além do mundo
pós-“comunista”. Eleitores de outros lugares tornaram-se deslumbrados pelos
políticos mais conservadores. Donald Trump era parte dessa nova fraternidade de
populistas nacionalistas que incluía Vladimir Putin na Rússia, Recep Tayyip
Erdogan na Turquia, Rodrigo Duterte nas Filipinas e Viktor Orban da Hungria.
Todos eles começaram rapidamente a concentrar poder em suas próprias mãos, numa
tentativa de governar por decreto (ou, no caso de Trump, por ordens
executivas). No processo, usavam a antipolítica estrategicamente para derrotar
quaisquer desafios potenciais, em plano logal ou global.
Era bizarro que, em tantos
países, os eleitores apressassem-se a se privar de direitos civis através dessa
nova antipolítica. Esses autocratas chegaram ao poder não por meio de golpes
mais de eleições. Mais bizarro ainda era o fato de que, naqueles anos, eram
cada vez mais os jovens que
não mais consideravam importante viver numa democracia. Quando apenas os velhos
acreditam nesse sistema, ele também está à beira da morte.
Talvez a culpada fosse a
economia. Os principais partidos haviam quase uniformemente apoiado políticas
que aumentavam o abismoentre
ricos e pobres, tirando dos jovens os empregos e qualquer esperança no futuro.
Não foi surpresa que perdessem a fé na democracia.
Ou talvez a tecnologia tenha
matado a política. O computador e a celular combinados reduziram a atenção
necessária para o envolvimento sustentável nos assuntos públicos. As
microcomunidades criadas pelas mídias sociais ocultaram a necessidade de
interagir com aqueles que não partilhavam as mesmas micropreocupações. E, claro
todo mundo começou a insistir em resultados imediatos a partir de um simples
toque no teclado, que se traduzia, no plano da política, como uma crescente
preferência pelos decretos.
Por um breve lapso, o “choque”
Trump provocou uma reação. Nos Estados Unidos, houve grandes marchas de
protesto, enquanto e burocratas hostis ao governo sabotavam-no – mas isso só
fortaleceu a narrativa de uma elite liberal irresponsável e hostil do “estado profundo”.
Neste momento de aparente reversão, os aliados de Trump na Europa até perderam
algumas eleições. Mas os vencedores dessas contendas mantiveram políticas que
atingiam os direitos da maioria. Então, na eleição seguinte ou na outra, o
previsível aconteceu.
Como aqueles de uma certa idade
recordam, ao final o próprio Trump perdeu o poder, anulado por sua própria
destrutividade vingativa. Naquele momento, seus críticos exultaram, apenas para
descobrir que ele seria substituído muito em breve por alguém que compartilhava
sua antipolítica destrutiva sem seus nocivos traços pessoais.
Trump chocou a comunidade
internacional. Seus sucessores engoliram isso. E como todo mundo nas terras
rachadas do planeta hoje sabe, o monstro continuou a ser alimentado, enquanto
os termômetros, inundações, secas, incêndios selvagens, níveis do mar, ondas de
refugiados e todo o resto mantinham seu crescimento inexorável.
O fim da infância
Contos de fada deveriam ter final
feliz. Eu asseguro às crianças que elas estão a salvo dentro de Arcadia. Podem
ver, elas mesmas, o sucesso de nossas colheitas. Estão suficientemente longe
das ondas gigantescas do oceano para não temer as águas. Participam da vida
política democrática de nossa comunidade. Exceto por um eventual colapso, Arcádia
é uma pequena ilha de esperança num mar de desespero.
As temperaturas continuam a
subir. Do lado de fora, a luta por recursos torna-se mais sangrenta a cada ano.
Muitas das comunidades que um dia pontilhavam a paisagem à nossa volta não
passam de uma memória. Os muros que circundam Arcadia podem ser quase
inexpugnáveis e nosso arsenal está bem abastecido, mas uma questão permanece.
Podemos sobreviver sem os nossos membros fundadores, que agora começam a
morrer?
Nós criamos e educamos as
crianças sob a ameaça do mesmo monstro, ainda mais crescido. À medida em que
elas crescem, alguns jovens acusam minha geração e a mim por fracassar na
destruição dessa criatura. Infelizmente, elas não poderiam estar mais certas.
Acredito que nós, ao menos aqui em Arcadia, fizemos o melhor que pudemos. É
triste, mas não foi suficiente.
Logo será a vez de nossas
crianças. Elas cuidarão das colheitas e manterão o arsenal. Continuarão em
busca de uma solução científica para as mudanças climáticas — na falta de uma
solução política e uma comunidade internacional para aplicá-la. Caberá a elas
garantir que o monstro, por mais que bufe e ameace a nossa própria vida, não
seja capaz de soprar e destruir também a nossa casa.
Tradução: Inês Castilho
Fonte: https://outraspalavras.net/destaques/distopia-2050/
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