FARMÁCIA DA MATA
O extraordinário patrimônio natural contido
na biodiversidade da Mata Atlântica já está sendo aproveitado por empresas
brasileiras na fabricação de produtos como remédios e cosméticos.
Com seis grandes biomas – Floresta Amazônica, Cerrado,
Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Pampas –, o Brasil é o campeão mundial da
biodiversidade. O país abriga 13% da vida do planeta e, segundo estimativas, é
habitado por algo entre 170 mil e 210 mil espécies conhecidas de plantas,
animais e microrganismos. Essa cifra pode chegar a dois milhões, afirmam alguns
especialistas.
É como se fosse uma grande rede de
supermercados a céu aberto, capaz de oferecer alimentos e materiais para
artesanato, móveis, decoração e construção civil, além de substâncias químicas,
desenvolvidas em bilhões de anos de evolução, aproveitáveis nas indústrias
farmacêutica e de cosméticos, por exemplo. A Mata Atlântica é uma das mais
importantes lojas dessa cadeia, que já dá lucros de forma sustentável,
fornecendo substâncias para novos remédios e cosméticos.
Em seus remanescentes (restam apenas 12,5% de
sua área original), ela ainda apresenta uma riqueza natural das mais
importantes do mundo. Ali estão mais de 20 mil espécies conhecidas de plantas,
das quais 8 mil são endêmicas (isto é, só encontradas ali); 270 de mamíferos;
992 de aves; 197 répteis; 372 anfíbios; e 350 peixes. Por isso, a Mata
Atlântica é considerada um hotspot mundial, ou seja, uma das áreas mais ricas
em biodiversidade e mais ameaçadas do planeta, condição que levou a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a designá-la
Reserva da Biosfera Mundial.
Um exemplo de empresa que trabalha para
transformar esse patrimônio natural em produtos como medicamentos ou cosméticos
é a Extracta Moléculas Naturais, que funciona no Polo de Biotecnologia do Rio
de Janeiro (Bio-Rio), instalado no câmpus da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Ela foi fundada em 1998, pelo médico pesquisador Antonio Paes
de Carvalho, com o objetivo de encontrar na biodiversidade brasileira moléculas
naturais, desconhecidas dos químicos, que tenham atividade biológica sobre
alvos de interesse farmacêutico.
Pioneirismo nacional
“Desde então, já fizemos cerca de 230
expedições em busca de amostras vegetais, que incluíram incursões na Mata
Atlântica e na Floresta Amazônica.” Com isso, a empresa tem hoje quase 12 mil
extratos de plantas da biodiversidade brasileira com potencial para fabricar
remédios, dos quais pelo menos 600 já foram testados e apresentaram
propriedades terapêuticas que podem interessar à indústria farmacêutica.
Entre as descobertas dos pesquisadores da
Extracta está a Kielmeyera aureovinosa, rara flor de pétalas brancas e miolo
amarelo encontrada na região serrana do Rio de Janeiro. Dela foi isolada a
aureociclina, substância química natural que, em laboratório, mostrou ter ação
antibiótica contra a superbactéria Staphylococus aureus, resistente à
meticilina e responsável por infecções hospitalares. A partir da substância, a
empresa desenvolveu uma pomada, ainda em testes, que também combate a bactéria
Proprionibacterium acnes, causadora da acne.
Também se deve à biodiversidade da Mata
Atlântica o primeiro remédio totalmente nacional, que chegou ao mercado em
2005. É o anti-inflamatório Acheflan, cujo princípio ativo foi retirado da
Cordia verbenacea, arbusto conhecido popularmente por erva-baleeira e comum na
floresta ao longo do litoral brasileiro, muito usado em forma de chá e
infusões.
O produto consumiu mais de 20 anos em
pesquisas e US$ 5 milhões em investimentos até seu lançamento. Ele foi
desenvolvido em parceria com três universidades, a Federal de Santa Catarina
(UFSC) e as paulistas USP e Unicamp. Cinco anos depois, a Extracta lançou o
calmante Sintocalmy, produzido a partir de princípios ativos retirados da
passiflora, planta cujo fruto é o maracujá.
Preços e prazos menores
Mais do que a indústria farmacêutica, o setor
de cosméticos investe pesadamente na exploração da biodiversidade, sobretudo no
Brasil. Grandes empresas do mundo retiram das florestas do país diversas
substâncias, como óleos essenciais, extratos, resinas, manteigas e argilas, que
entram na composição de perfumes, sabonetes, cremes, xampus, condicionadores,
loções, batons e maquiagens. É um mercado que vem crescendo, em grande parte
por causa do número cada vez maior de consumidores preocupados com o meio
ambiente.
A Natura é um exemplo de empresa que usa a
biodiversidade para fabricar cosméticos e perfumes. Para isso, ela lançou em
2000 o Programa de Certificação de Ativos, com o objetivo de conhecer e
garantir que os insumos vindos da flora brasileira sejam extraídos de modo
ambientalmente correto.
Essa iniciativa sustenta a linha Natura Ekos,
que produz xampus, condicionadores, sabonetes, esfoliantes, hidratantes,
desodorantes e óleos com base em ativos encontrados na Mata Atlântica e em
outros biomas brasileiros. Entre as plantas da floresta das quais são retirados
os principais ativos da linha estão cacau, camomila, macela-do-campo, maracujá,
mate-verde e pitanga.
Biodiversidade rentável
A biodiversidade da floresta é explorada por grandes
empresas e vários projetos comunitários, liderados em geral por organizações
não governamentais (ONGs). Um exemplo é o Projeto Juçara, criado pelo Instituto
de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (Ipema), de Ubatuba (SP), em
parceria com outras ONGs, que formam a Rede Juçara. A meta é divulgar e
expandir o uso dos frutos da palmeira que dá nome ao projeto, para produção de
polpa alimentar e uso na culinária; e consolidar sua cadeia produtiva, por meio
da difusão do seu manejo sustentável para geração de renda em comunidades
quilombolas e caiçaras.
Já o WWF Brasil, ONG da Rede WWF, aposta no
ecoturismo e em outras formas de negócios sustentáveis. Atualmente, ela
desenvolve dois projetos, um dos quais é o Caminho da Mata Atlântica, trilha
com cerca de 1.200 km que interligará os parques ecológicos e unidades de
conservação ambiental na Serra do Mar, entre Santa Catarina e Rio de Janeiro.
No Rio de Janeiro, 180 km já estão implantados.
Fonte: http://www.revistaplaneta.com.br/farmacia-da-mata/
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